O Supremo Tribunal Federal (STF) irá analisar, com repercussão geral reconhecida (Tema 1380), se o reconhecimento pessoal em processos penais pode ser considerado prova válida quando não segue os procedimentos estabelecidos pelo Código de Processo Penal (CPP). A decisão terá impacto direto nos direitos constitucionais como o devido processo legal, a ampla defesa e a proibição de provas ilícitas.
Caso concreto que motivou a discussão
O debate chegou ao STF através do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1467470, que questiona a condenação de dois homens por roubo de veículo em Campinas (SP). Os acusados foram condenados com base apenas no reconhecimento pessoal feito pela vítima, sem seguir os procedimentos exigidos pelo artigo 226 do CPP e sem outras provas que corroborassem a identificação.
Segundo os autos, os suspeitos foram detidos dias após o crime por estarem em um veículo semelhante ao descrito pela vítima como carro de apoio usado no roubo. A defesa argumenta que a prova é ilícita por não seguir o rito legal estabelecido.
Fragilidade do reconhecimento pessoal como prova
O presidente do STF e relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, destacou a fragilidade desse tipo de prova, que depende da memória e capacidade de atenção da vítima em situações frequentemente traumáticas. Barroso também apontou dados alarmantes: no Rio de Janeiro, 83% dos casos de reconhecimento equivocado resultaram na punição indevida de pessoas negras.
"A dependência excessiva sobre a qualidade dos sentidos de quem é chamado a reconhecer pode levar as pré-compreensões e os estereótipos sociais a influenciarem o resultado do ato", afirmou o ministro, ressaltando ainda que "o potencial reforço às marcas de seletividade e de racismo estrutural dessa questão sobre o sistema de justiça criminal designa a relevância social e política do tema".
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já se manifestou sobre o assunto ao editar a Resolução 484/2022, que traz orientações detalhadas sobre como realizar o procedimento de reconhecimento de pessoas. A decisão do STF, quando proferida, deverá ser seguida por todas as instâncias do Judiciário em casos semelhantes, uniformizando a jurisprudência que, segundo Barroso, não é consistente quanto à validade desse tipo de reconhecimento quando realizado em desconformidade com a lei.