Cientistas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Fiocruz apresentaram na Câmara dos Deputados, na última quinta-feira (22), um dossiê que revela os graves danos dos agrotóxicos à saúde reprodutiva da população brasileira. O estudo, concluído em 2024, evidencia um quadro preocupante de multicontaminação sistêmica do ambiente por pesticidas.
Contaminação generalizada atinge áreas rurais e urbanas
A professora Maria Montanari Corrêa, relatora do dossiê e docente da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), apresentou dados alarmantes sobre a presença de agrotóxicos em escolas de municípios mato-grossenses. "Detectamos resíduos de atrazina e de metomil em mais de 60% das análises. Esses dois agrotóxicos têm um efeito de desregulação hormonal", alertou a pesquisadora.
A médica Lia Giraldo Augusto, organizadora do estudo, enfatizou que a contaminação não se restringe às zonas rurais: "Na área urbana, temos a contaminação de água, de alimentos, o uso de agrotóxicos no controle vetorial e também a compra de agrotóxicos livres no mercado como saneantes". Ela destacou o uso doméstico de piretroides, comumente utilizados contra mosquitos e baratas, sem o devido conhecimento da população sobre seus riscos.
Impactos na saúde reprodutiva e falhas na fiscalização
O dossiê "Danos dos agrotóxicos na saúde reprodutiva" identifica diversos problemas de saúde associados à exposição a pesticidas. Em mulheres, foram relatados casos de mutações de DNA, anomalias congênitas, alterações hormonais, câncer de mama e abortos espontâneos. Crianças apresentam maior risco de parto prematuro, baixo peso, leucemias e malformações congênitas, enquanto homens sofrem com câncer de próstata, alterações hormonais e danos ao esperma.
Tamara de Andrade, especialista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), apontou lacunas no programa de análise de resíduos de agrotóxicos da Anvisa. O estudo "Tem veneno nesse pacote" comprovou a contaminação em produtos processados, evidenciando que os processos industriais não eliminam os resíduos de agrotóxicos.
Propostas para redução do uso de agrotóxicos
Durante a audiência, que foi realizada pelas comissões de Defesa do Consumidor e de Meio Ambiente a pedido dos deputados Nilto Tatto (PT-SP) e Gisela Simona (União-MT), foram apresentadas recomendações para enfrentar o problema. Entre as sugestões estão a priorização de pesquisas sobre o tema, a qualificação dos serviços de saúde para identificação de riscos e a implementação de vigilâncias territoriais.
Vivian de Almeida, diretora de inovação do Ministério de Desenvolvimento Agrário, anunciou que o governo prepara a retomada do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Desde 2016, a Câmara analisa o PL 6670/16, que visa transformar essa política em lei. O deputado Nilto Tatto, relator do texto, espera que o dossiê ajude a superar resistências: "O cidadão pensa estar consumindo alimento para a vida, mas acaba consumindo alimento para a morte."