A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu importante precedente ao decidir, por unanimidade, que cláusulas de eleição de foro estrangeiro em contratos de adesão podem ser declaradas nulas quando representam obstáculo ao acesso do consumidor brasileiro à Justiça.
O caso analisado envolveu uma consumidora brasileira que moveu ação contra empresa estrangeira de apostas online. Tanto o juízo de primeira instância quanto o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) declararam a nulidade da cláusula que estipulava o foro de Gibraltar, na Península Ibérica, para resolução de conflitos.
Proteção à vulnerabilidade do consumidor
O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso, fundamentou a decisão no princípio da vulnerabilidade previsto no artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Segundo ele, obrigar o consumidor brasileiro a litigar no exterior impõe ônus desproporcional, considerando barreiras geográficas, linguísticas, procedimentais e financeiras.
O relator destacou que, para invalidar uma cláusula de eleição de foro estrangeiro, é necessário que o contrato seja de adesão, o consumidor seja hipossuficiente e haja efetiva dificuldade de acesso à Justiça - requisitos presentes no caso analisado.
Vínculo com o território brasileiro
Apesar da empresa alegar não possuir domicílio, agência ou filial no Brasil, o ministro observou que ela direcionava claramente seus serviços ao público brasileiro, oferecendo site em português, suporte técnico no país e possibilidade de apostas em moeda nacional.
Embora o artigo 25 do Código de Processo Civil admita a validade de cláusulas de eleição de foro estrangeiro em contratos internacionais, o parágrafo 2º desse dispositivo permite ao juiz declarar a ineficácia de cláusulas consideradas abusivas, especialmente em relações de consumo transnacionais realizadas em ambiente digital, onde a vulnerabilidade do consumidor é ainda mais acentuada.