O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio de sua Sexta Turma, estabeleceu um importante precedente ao determinar que uma ação movida por um trabalhador rural submetido a condições análogas à escravidão em Dourados (MS) deve retornar ao primeiro grau e tramitar normalmente, mesmo tendo sido apresentada mais de seis anos após seu resgate.
Caso emblemático revela graves violações de direitos humanos
O trabalhador foi contratado em 2003 para a Fazenda São Lourenço com promessa de salário mínimo, alimentação e moradia adequada. Contudo, a realidade encontrada foi drasticamente diferente: ausência de água potável (sendo obrigado a beber do mesmo açude utilizado pelo gado), moradia precária sem proteção contra intempéries, e jornadas exaustivas que começavam às 5h e terminavam às 23h, todos os dias da semana.
A situação agravou-se a partir de 2008, quando o empregador deixou de pagar salários, fornecendo apenas arroz para alimentação e impedindo o trabalhador de deixar a propriedade sob ameaças de morte. O resgate só ocorreu em 2013, durante fiscalização realizada por auditores do trabalho e membros do Ministério Público do Trabalho.
Imprescritibilidade de crimes contra a dignidade humana
Embora as instâncias anteriores tenham extinguido o processo por considerar que o prazo prescricional de dois anos havia se esgotado, o ministro Augusto César, relator do caso no TST, apresentou entendimento diferente. Ele destacou que o Brasil, por ter ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos, deve seguir a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que considera imprescritíveis as violações relacionadas ao trabalho escravo.
"Se para o âmbito penal, onde se protege a liberdade de locomoção, as pretensões criminais decorrentes do crime de trabalho análogo ao de escravo são imprescritíveis, o mesmo entendimento deve ser adotado no âmbito trabalhista", afirmou o ministro em sua decisão unânime.
O caso representa um avanço significativo na proteção aos direitos humanos no Brasil, estabelecendo que vítimas de trabalho escravo contemporâneo podem buscar reparação judicial a qualquer tempo, sem limitação pelo prazo prescricional trabalhista convencional.