CLT transformou samba: do malandro ao operário na música brasileira

A criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 revolucionou não apenas as relações trabalhistas brasileiras, mas também transformou profundamente a música popular do país. Pesquisa da Universidade de São Paulo demonstra como a legislação trabalhista influenciou diretamente as letras dos sambas, modificando a representação cultural do trabalho.

Malandro dá lugar ao trabalhador honesto

Antes da CLT, o samba exaltava a figura do "malandro", personagem que rejeitava o trabalho formal e vivia da boemia. O estudo "O samba pelo viés da ordem do trabalho - Inflexões: 1930-43", conduzido por Martin Nery, revela que essa figura surgiu por volta de 1930 como construção estética do gênero musical.

Wilson Batista imortalizou essa mentalidade em "Lenço no Pescoço": "Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho / Em ser tão vadio". Noel Rosa também celebrava a malandragem em composições como "Escola de Malandro": "Enquanto existir o samba / Não quero mais trabalhar".

CLT promove nova narrativa musical

Com o fortalecimento da legislação trabalhista e a influência do Estado Novo, incluindo a censura do DIP, o samba passou a valorizar o operário urbano. "Bonde São Januário", de Roberto Martins e Wilson Batista, exemplifica essa mudança: "Quem trabalha é quem tem razão / O bonde de São Januário / Leva mais um operário".

Os sambas estado-novistas reforçaram sistematicamente o valor do trabalho. Em "Trabalha", de 1943, Pedro Camargo canta: "Trabalha / E será independente". Outra composição homônima de 1946 proclama: "O trabalho engrandece a nação".

Profissionalização dos músicos

A CLT impactou diretamente os próprios sambistas, promovendo a formalização de contratos e a regulamentação da atividade artística. "Os sambistas foram se profissionalizando nas gravadoras e rádios, adotando jornadas regulares de trabalho", explica o pesquisador Martin Nery.

A transformação do samba reflete como a legislação trabalhista moldou não apenas a economia, mas também a identidade cultural brasileira. O gênero musical acompanhou essa evolução social, retratando a ascensão do trabalhador e consolidando os direitos conquistados na cultura popular nacional.