A área não é projetada para ocupação humana constante, tem meios limitados de entrada e saída, atmosfera perigosa e sensação de confinamento. Essa é a descrição do ambiente de trabalho dos operadores de silos em armazéns de grãos no Brasil, atividade considerada de alto risco que tem registrado aumento alarmante de mortes.
Estima-se que, em 2023, ocorreram mais de 100 mortes nesse setor. No entanto, as estatísticas são imprecisas, pois não há um cadastro específico para esse tipo de acidente no Ministério da Previdência Social. Na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), o termo é genérico: "armazenamento". O mesmo ocorre no Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab), onde a ocupação "operador de silo" sequer aparece.
O perigo do engolfamento e soterramento
Segundo a ministra Kátia Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), os acidentes com trabalhadores nessas condições estão aumentando exponencialmente. Um caso julgado pela Sexta Turma do TST envolveu um empregado da Granosul Agroindustrial Ltda., em Cambé (PR), que morreu sugado pela força da gravidade dos grãos ao raspar resíduos de soja.
De acordo com o levantamento do auditor fiscal Rudy Allan Silva da Silva, foram registrados 69 acidentes fatais em unidades de armazenamento de grãos em 2020, 89 em 2021 e 87 em 2022. Em quase 40% desses casos, os trabalhadores morreram asfixiados por engolfamento ou soterramento em grãos.
Culpa concorrente e fiscalização insuficiente
Embora empresas frequentemente aleguem culpa exclusiva das vítimas por não utilizarem equipamentos de proteção, o TST tem reconhecido a culpa concorrente dos empregadores. A ministra Arruda ressalta que "o empregador não tem obrigação somente de orientar e fornecer equipamentos de segurança, mas de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho".
A professora Ana Paula Martinazzo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), relaciona o aumento de mortes à expansão do agronegócio brasileiro. Com uma produção estimada em quase 300 milhões de toneladas de grãos na safra 2023/2024, segundo a Conab, ela questiona: "Por que as mortes têm aumentado? Pelo aumento de produção ou pela falta de fiscalização?"
Profissionais de saúde e segurança do trabalho apontam dois problemas críticos: a dificuldade de contar com estatísticas precisas, o que impossibilita a mensuração adequada e implementação de medidas eficazes, e o número insuficiente de fiscais diante da expansão do agronegócio no Brasil.