Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, especialistas levantaram preocupações sobre o Projeto de Lei Complementar 235/19, que estabelece o Sistema Nacional de Educação (SNE). O principal ponto de alerta é o possível comprometimento da autonomia de estados e municípios na gestão de suas políticas educacionais.
Centralização versus autonomia constitucional
A especialista em Tecnologias em Educação e Relações Internacionais, Cassia Queiroz, destacou que a proposta, já aprovada no Senado, viola os artigos 29 e 30 da Constituição Federal, que garantem a autonomia municipal em matéria de legislação própria. "São 15 pessoas que vão determinar o futuro da educação no Brasil, tirando a autonomia dos entes federados. Será que é o momento de a gente rasgar nossa Constituição?", questionou durante o debate.
O modelo proposto pelo PLP 235/19 prevê um grupo permanente de negociação com poder normativo, fiscalizatório e vinculante sobre municípios. Diferentemente do sistema anterior, previsto no Plano Nacional de Educação (2014-2024), a nova configuração concentraria decisões em um grupo composto por representantes do MEC, do conselho de secretários estaduais e do conselho de secretários municipais de educação.
Experiências internacionais e alternativas
Ilona Becskeházy, conselheira da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, apontou que países desenvolvidos não adotam sistemas educacionais centralizados. Segundo ela, nos Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, há liberdade para seguir ou não as diretrizes federais, o que permite inovações locais - algo que o SNE poderia dificultar ao promover uniformização excessiva.
Na mesma linha, o presidente do Instituto IDados, João Batista, classificou o SNE como desnecessário, afirmando que "tem pouquíssimas chances de contribuir para melhorar a Educação no país, mas tem uma enorme chance de torná-la ainda pior".
Defesa do sistema e próximos passos
Em contraponto, Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, defendeu o SNE como instrumento necessário para superar o baixo cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação. "Um dos motivos elencados para não cumprimento é justamente essa falta de uma governança densa e aprofundada por parte do sistema que não existe, na prática", argumentou.
O deputado Rafael Brito (MDB-AL), relator da proposta, acompanha os debates, e a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) informou que haverá mais três audiências na próxima semana. Após análise na Comissão de Educação, o projeto seguirá para as comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça, antes de chegar ao plenário.