O Tribunal Superior do Trabalho (TST) protagonizou um marco histórico ao homologar, em 2013, o maior acordo da história da Justiça do Trabalho no caso Shell/BASF, envolvendo contaminação química em Paulínia (SP).
Contaminação mobiliza trabalhadores e familiares
O caso teve origem na contaminação ambiental e ocupacional decorrente das atividades industriais iniciadas na década de 1970 no Recanto dos Pássaros, em Paulínia. A descoberta de padrões de adoecimento, mortes precoces e exposição prolongada a substâncias altamente tóxicas mobilizou trabalhadores e familiares.
Antônio de Marco Rasteiro, empregado por 21 anos e fundador da ATESQ (Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas), organizou o movimento: "A percepção de que trabalhadores estavam adoecendo e morrendo levou à organização coletiva e à formação de um movimento centrado na transparência, na defesa da vida e na luta pacífica."
MPT estrutura intervenção em duas frentes
O Ministério Público do Trabalho (MPT) atuou em duas frentes principais. A primeira buscou respostas imediatas diante da incerteza científica, resultando em um termo de ajustamento que instituiu protocolo pioneiro de vigilância de populações expostas, incorporado às diretrizes do SUS.
A segunda frente foi a ação civil pública. A procuradora Clarissa Ribeiro Schinestsck explica: "O caso Shell-Basf retrata um desastre ambiental de proporções alarmantes. A mais importante lição veio das respostas dadas pelo MPT e pelo Judiciário Trabalhista."
Sentença paradigmática de R$ 1,1 bilhão
Em agosto de 2010, a 2ª Vara do Trabalho de Paulínia proferiu decisão paradigmática. As empresas foram condenadas a pagar R$ 1,1 bilhão, englobando dano moral coletivo, indenizações individuais e custeio de assistência integral aos trabalhadores e filhos expostos.
A juíza Maria Inês Targa, hoje desembargadora aposentada, inovou ao reconhecer que a reparação deveria alcançar também os filhos com potencial risco: "Deferi a todos os trabalhadores e a seus filhos o direito à atenção integral à saúde enquanto viverem."
TST conduz negociações históricas
O caso chegou ao TST após tramitação na primeira instância e no TRT-15. A ministra Delaíde Miranda Arantes assumiu a relatoria e, em novembro de 2012, encaminhou solicitação para audiência de conciliação ao então presidente João Oreste Dalazen.
Em março de 2013, foi alcançado consenso para a minuta do acordo, homologado em 8 de abril pelo então presidente Carlos Alberto Reis de Paula. O entendimento garantiu atendimento vitalício a mais de mil pessoas expostas e destinou R$ 200 milhões a projetos de saúde, prevenção e pesquisa.
Legado permanente em saúde pública
Os recursos do dano moral coletivo criaram estruturas permanentes como o Barco Hospital Papa Francisco na Amazônia, o Instituto de Engenharia Molecular do Centro Infantil Boldrini, carretas especializadas do Hospital de Câncer de Barretos e modernização de unidades hospitalares em várias regiões.
Para Rasteiro, da ATESQ, o resultado representa conquista histórica: "Estamos conseguindo reverter o quadro de saúde e beneficiando a sociedade graças às estruturas criadas com o dano moral coletivo."
O caso Shell/BASF consolidou-se como referência nacional e internacional para debates sobre meio ambiente do trabalho e responsabilidade socioambiental, demonstrando como a Justiça do Trabalho pode transformar conflitos graves em compromissos concretos de reparação.
Processo: ARE-22200-28.2007.5.15.0126